Escrito por Gustavo Lorenzon

Tarte Lichia

fev 18, 2021 | Histórias

Tínhamos um pé de lichia em casa.

Não lembro qual sua origem.

Onde foi conseguida a muda ou se foi uma semente plantada…

Nesta época da pré-adolescência isto passava despercebido. Meros detalhes.

Época em que as coisas são e estão.

Nada mais.

Sem preocupações em entender. 

Uma época de férias, talvez antes ou logo depois da virada do ano. Não importa.

Lembro da sensação de leveza no ar, o descompromisso, a liberdade.

Ainda é vívida a imagem de minha mãe vindo dos fundos da casa.

Brotando da sombra que o sol em oposição proporcionava no entardecer.

A lembrança da imagem daquela figura sendo emoldurada pelas esquadrias de madeira escura da porta em contraste com o alvo fosco dos azulejos da cozinha enquanto entrava é como um abraço forte.

Reconfortante.

A sombra aos poucos esvaía-se para revelar a silhueta daquela mulher linda com seus cabelos de fogo.

Como que um prólogo para o fim da tarde, surgia um prato branco cheio de lichias empilhadas.

Equilibradas uma a uma, acompanhavam o caminhar das pernas longas, do rebolado sutil e da elegância incomparável no movimento. 

Minha mãe adorava a fruta.

Me intrigava.

Eu não via graça.

Hoje, me encanta.

A influência do tempo sobre quem fomos, somos e ainda seremos é realmente surpreendente.

As memórias daquelas tardes de verão e das lichias frescas são um afago à alma.

E assim como a fruta, leves, florais e cheias de delicadeza.

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